Nebulosidade

00:21 Kamila Siqueira 0 Comments

06/06/2017


   O que me dói é nunca ter andado pelas ruas em que outras meninas puderam andar. É nunca ter tirado uma foto da janela de um apartamento em um prédio de 25 andares e nunca ter tomado um café no frio desgraçado de uma cidade cinzenta. Me dói porque só eu sei o quanto desejei ter feito isso e tive as asas cortadas, todas as vezes.

   Eu tive que ficar escondida embaixo da mesa, enquanto outras pessoas faziam arte em cima dela. Eu tive que engolir as minhas vontades, que eram tão simples, mas que aos olhos de outros pareciam inviáveis. Impossíveis. Não tinha como.

   Eu tive que engolir quando queria chorar, tive que disfarçar quando as feridas doíam, tive que calar quando a vontade era gritar, quando, ao mesmo tempo, tanta gente nem necessitava do grito, podiam apenas falar normalmente. Eu nunca pude.

   Me dói e ninguém nunca vai entender porquê me dói. Ninguém nunca vai saber que essa ferida foi criada de tanto não deixar ninguém saber, de tanto esforço para manter tudo por baixo dos panos, de tantas histórias que só aconteciam no silêncio da noite, protegidas pelo escuro da madrugada. De tanto não poder falar. Não poder gritar. Não poder chorar. A censura, que eu nem sei de onde nasceu de verdade, é o que sempre me matou.

   Aquelas fotografias que não tirei, aqueles espaços por onde não andei, aquelas pessoas que não conheci, aquelas histórias que imaginei e nunca se concretizaram. E tudo o que vivi pela metade. As fotos que tirei, mas não tão bem assim. As fotos que posei, mas não com aquele olhar. Os livros que eu li, os mesmos que elas leram, mas que ninguém nunca quis saber. As metáforas que não foram escritas para mim. E nem por mim. A metáfora que escrevi em uma foto do céu, mas pela metade, porque ninguém nunca soube o que ela queria dizer. Eu meio que tentei realizar o tópico de conhecer pessoas, mas só pude apresentá-las. Eu meio que tentei andar por espaços parecidos - mas não deu na mesma. Eu meio que vi uma parte das histórias se concretizarem, mas não daquele jeito que queria, não daquela forma que devia, sempre só um pedacinho, sempre só um pouquinho, sempre só. Nunca junto. Nunca tudo.

   Foi a metade que me fez querer chegar ao fim. 
   Passou, passou, eu sei. Mas o passado ter sido vivido pela metade, sempre, sempre me doerá.



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