Digressão
30/04/2016
Eu nunca tive medo do escuro porque sabia que nele poderia me esconder. Em outros tempos, ele foi bastante útil para esconder as feridas abertas que eu não gostaria de mostrar e as conversas que eu não gostaria de ter. Se eu não vejo nada, então nada me vê.
Hoje já não me escondo mais, mas ainda me sinto mais segura sem as luzes. É no silêncio do escuro que as palavras vêm me visitar. Às duas da manhã, a gente acha que todo mundo está dormindo. Mas se nós não estamos, é bastante possível que outros também não estejam, certo? Todas as luzes no prédio da frente estão apagadas. Eu me pergunto quantos olhos estão abertos neste momento e quantos corações estão acesos como o meu. Quantos estão buscando preencher este buraco que a gente só sente às duas da manhã? Quantos estão sentindo o desespero da percepção de que a vida não tem um caminho certo? No escuro, a gente sente tudo com mais intensidade. As pessoas choram no escuro. Sentem medo. Fazem amor. As pessoas sonham no escuro, de olhos abertos, observando o teto de seus quartos. No escuro, as nossas almas se libertam. Temos as ideias mais geniais, os sonhos mais profundos, os planos mais ousados. Somos mais sinceros no escuro. Admitimos nossos desejos e conversamos sobre nossas dores. Na última vez em que eu disse eu te amo, estava envolta pela escuridão. Na última vez em que rezei aos céus, minha companhia era o silêncio da madrugada. Na última vez em que ousei sonhar, eu não enxergava nada além da minha própria esperança. E aquela foi a última vez.
Para onde vão os nossos sonhos quando acendemos as luzes e apagamos os nossos corações?