Caixas ineptas
01/03/2016
Eu enxergo as pessoas como seres que carregam caixas. É como se cada um de nós, ao nascer, ganhasse uma caixinha simples, vazia por dentro. Sete bilhões de caixinhas iguaizinhas. Ela não é um fardo porque nós não temos obrigação nenhuma quanto à caixa, não há nada que supostamente devemos fazer com ela. Entretanto, eis a beleza da coisa: não temos obrigações, mas possuímos a liberdade de fazer o que quisermos com ela.
Algumas pessoas enfeitam a caixa. Deixam-na o mais bonita que conseguem e sentem-se felizes ao admirá-la. Isso é bonito. Outros preferem não alterar sua aparência física e gostam da caixa em seu estado natural. Isso também é bonito.
A diferença existe quando abre-se a caixa.
A gente pode colocar o que quiser lá dentro. Coisas boas, coisas ruins, coisas que nos fazem rir, coisas que despertam sentimentos bons em quem abrir a caixa, coisas que ajudam outras pessoas. Coisas que destroem, coisas que apodrecem, coisas que inspiram, coisas que afagam. A caixa não tem fundo. Imagino até mesmo que quanto mais se adiciona à ela, mais espaço se cria para novos conteúdos. A caixa é mágica e ao mesmo tempo, completamente comum.
Por onde ando, procuro por caixas a serem abertas. Respeito quando não há aberturas, algumas pessoas preferem manter seus cadeados fechados por questões de (in)segurança. A gente precisa compreendê-las e respeitá-las. Outras, passam o dia a adornar sua caixa, polindo-a até que ofusque tudo ao seu redor e a carregam consigo por onde andam. Mostram-na com orgulho porque é um objeto bonito. Mas, ao abrir-se, a caixa não tem nada além de quatro pequenas paredes vazias. Brancas. Insípidas. Essas caixinhas me entristecem. Veja bem, todos nós temos a liberdade de colocar o que quisermos dentro da caixa. Por que tantas caixas ainda estão vazias?
De vez em quando, encontro uma cheia. Ainda mais raramente, uma que transborda. Caixas que transbordam me fascinam. E isso me faz pensar em minha própria. Eu já destranquei meus cadeados, mas penso que ainda há muito pouco aqui para ser uma caixa admirável. Tenho algumas frases escritas, uma montanha de palavras lidas, mãos que ofereço de graça e céus que não me esqueço de admirar. Às vezes ainda tenho um pouquinho de vergonha dela e sei que preciso melhorá-la. Por dentro. Ainda há tanto espaço a ser preenchido! Conto com a paciência e compreensão de quem abre a caixa: ela está em constante reforma interior e juro que ainda irá evoluir muito. O importante é não deixar que ela se torne um deserto estéril, uma caverna oca.
Tente não andar por aí como uma caixa oca.