Por que temos vergonha dos nossos sonhos?
25/07/2015
Sempre disse à minha mãe que nasci para ser artista. Durante
a infância, tive as fases de querer ser pintora, cantora, dançarina, atriz.
Durante a adolescência, fiz aulas de piano por um ano. Aos 19, aprendi a
fotografar. Mais tarde, fiz aulas de dança de salão. Fui uma criança tímida,
mas gostava de imaginar que quando crescesse, isso iria mudar. Fazia as
clássicas apresentações de canto e dança para a família no natal e aos onze anos,
fui a Julieta na peça shakespeariana da escola. E no meio de todas as
brincadeiras artísticas, havia a escrita.
Escrever era diferente. Para ser atriz, eu imaginava que um
dia faria um curso de teatro. Ou um dia aprenderia a cantar ou a tocar um
instrumento. Mas nunca pensei em aprender a ser escritora porque, de alguma
forma, eu já o era. Desde que aprendi a escrever. Os meus contos e historinhas
mais antigos foram feitos em bloquinhos de papel, agendas, caderninhos. Aos
seis, sete, oito anos. E não consegui me livrar do vício desde então.
Aos quatorze, depois de passar por um dos comuns
"períodos socialmente difíceis da adolescência na escola", escrevi um
conto sobre suicídio. Não que a ideia do ato se passasse pela minha cabeça, era
apenas um conto fictício derivado de angústias pessoais. Uma colega de classe o
leu. E chorou. Aquele foi um dos momentos em que eu tive certeza absoluta de
que era aquilo que deveria fazer pelo resto da minha vida.
Mas não demorou muito para que eu percebesse que as coisas
não eram tão simples assim. Aparentemente, se o que você gosta de fazer não
está em uma lista de cursos universitários, você deve esquecer tal opção e, no
máximo, procurar por algo parecido. E então, passei a mentir. De "Quero ser
escritora" para "Não sei o que quero fazer, talvez jornalismo,
letras, publicidade..." Pois bem, estudei, me formei, arrumei um emprego
"normal".
E passei a ter vergonha de tudo o que escrevo.
Por que é que a gente tem vergonha dos nossos sonhos? Porque
eles são julgados. Porque fazer arte ou qualquer coisa que fuja do padrão
fazer-um-curso-e-procurar-um-emprego-tradicional deve ser levado apenas como um
hobbie e não uma profissão. Porque tudo bem você ter o sonho de ser médico e
passar décadas dedicando-se a isso, mas você não pode querer ter uma banda de
rock. É até aceitável preferir estudar para um concurso público em vez de fazer
uma faculdade, mas você não pode querer ganhar a vida como artista plástico.
Admitir que queremos a arte por tempo integral é quase que
sair do armário. "Mãe, pai, amigos, sociedade: eu sei que vocês não
esperavam isso de mim. Acreditem, eu também não queria ser assim.Vocês acham
que eu gosto de ser alvo de risadas? Tentei mudar, tentei gostar das outras
coisas. Mas eu nasci assim. Me
desculpem, mas eu acho que sou... (pausa para respirar fundo e pronunciar a
próxima palavra bem baixinho) artista."
Quase ninguém leva isso a sério.
"Você vai passar a vida toda brincando de ser ator?"
"Olha, eu não estou dizendo que você não pode ter um grupo de pagode, mas
arrume um trabalho de verdade além disso". Já parou para pensar que as
mesmas pessoas que dizem isso, consomem arte? Elas vão ao cinema uma vez por
semana, ver um filme hollywoodiano. Vão ao teatro prestigiar um humorista. Leem
George Orwell antes de dormir. Se emocionam com um concerto da orquestra
sinfônica. Por que é que a orquestra sinfônica é tão aclamada e um grupo de
pagode é visto como "um bando de gente que não tem mais o que fazer"?
Por que é que não podemos perder o novo filme do Tarantino, mas estudar cinema
só "depois de ter uma formação de verdade"? E por que é que John
Green é o segundo autor mais bem pago do mundo e meus romances precisam ficar
escondidos nas gavetas? Eu gosto do John, ele também não poderia gostar do que
escrevo?
Por que é que a gente têm vergonha dos nossos sonhos?
Por que é que a gente os acha bobos e idiotas?
Por quê?